Os dedos que se apertam com força em redor do nosso indicador quando lhe tocamos na palma da mão, as orelhas tão pequeninas, mas cheias de personalidade, o nariz, às vezes só uma bolinha pequenina, outra vez tão definido e «adulto», a boca que chucha com a força de uma ventosa.
Os recém-nascidos não se podem ver só com os olhos, é preciso percorrer-lhes as feições, como se percorrêssemos no mapa o traçado de uma estrada.
E depois, começar a (re) conhecê-los, hora a hora, dia a dia, para descobrir que, mesmo quando os nossos bebés já têm vinte ou trinta anos, ainda olhamos para eles como se os víssemos pela primeira vez.
Os recém - nascidos não são decididamente uma tábua rasa, em que inscrevemos aquilo que nos apetece, nem massa que moldamos a contento ou se forme segundo a nossa vontade. E é esse o seu maior fascínio.
Os nossos recém-nascidos já têm um passado que tantas vezes preferimos ignorar, na certeza de que aquilo que não vemos não existe.
Se Nossa Senhora entrasse em muito bom consultório obstétrico ou maternidade a dizer que sentia o «menino a saltar-lhe de alegria no ventre», seria recebida, na melhor das hipóteses, com um sorriso condescendente.
Dir-lhe-iam que um feto não tem tais sentimentos e que os «saltos» eram provocados por um qualquer problema digestivo ou outra razão muito técnica e cinzenta, muito clínica, muito médica, mas muito, muito longe da realidade…
E se até agora era sempre a nossa palavra de mães contra a deles, a dos «especialistas», o cenário está a mudar.
Documentários como a VIDA NO VENTRE, transmitido na televisão mostram-nos um feto que pestaneja intensamente quando está assustado, que ensaia pontapés e brinca com o cordão umbilical, que chucha o dedo para se acalmar, que se agita e reage à dor e, sim, que sorri.
Pode não dar jeito a algumas pessoas que assim seja, mas assim é. O feto invisível revela-se e prova aquilo que pressentíamos: que existe antes de ter registo no cartório notarial da esquina.
Quando olhamos o feto a flutuar no líquido quente do seu espaço, o corpo da mãe a amortecer os embates do mundo, quando sabemos com cada vez mais certeza, a influência do «primeiro encontro» entre mãe e filho, perguntamos com que direito é que continuamos a tornar tão difícil o momento do nascimento.
Ao ver o feto aninhado, o ritmo do coração a embalá-lo, percebo porque é que, aparentemente, não temos memória desses tempos.
É que, se nos lembrássemos, corríamos o risco de querer urgentemente para lá voltar.
Isabel Stilwell
(“Notícias Magasine”).